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Lições da greve

%u201CO homem que não comete erros geralmente não faz nada.%u201D Nietzsche

08/06/2018 11:24

Dad Squarisi

A greve dos caminhoneiros fez estragos. Conjugou o verbo desabastecer. Postos ficaram sem combustíveis. Supermercados exibiram gôndolas vazias. Escolas deram folga pra meninada. Hospitais adiaram cirurgias. Ônibus permaneceram nas garagens. Trabalhadores faltaram ao serviço. Homens e mulheres gastaram sola de sapato.


Pior: a língua, que de santa não tem nada, tirou proveito do estresse e armou ciladas a torto e a direito. Pronúncia, grafia, concordância, regência, crase, flexão, colocação de pronome – nada escapou. A coluna deitou e rolou. Com a oferta farta, fez escolhas. Tomara que goste.

Cheque e xeque

A revista Exame postou no Twitter: “Crise com caminhoneiros coloca em cheque Petrobras e Parente”. Viu? Trocou as bolas. Cheque e xeque soam do mesmo jeitinho. Mas não se conhecem nem de elevador. Cheque é documento bancário. Xeque, jogada de xadrez (xeque-mate, que significa “o rei está morto”).

A expressão pôr em xeque quer dizer pôr em dúvida o valor, a importância, o mérito: O fracasso dos estudantes pôs em xeque o desempenho do professor. A Semana de Arte Moderna pôs em xeque os poetas acadêmicos. Crise com caminhoneiros coloca em xeque Petrobras e Parente.

De onde?

Xeque vem do persa xãh. Significa rei. No idioma do Irã, deu xá — título que se dava ao mandachuva do país antes da revolução dos aiatolás. Daquelas bandas veio o jogo de xadrez. Daí a expressão xeque-mate (o rei está morto). A palavra deu uma voltinha pelo árabe. Virou xeque ou sheik. Na língua do Corão, quer dizer chefe, ancião, soberano.

Olho no número

Sem bobeira, moçada. O cheque pode ter fundos ou não. Com fundos ou sem fundos, um fato é incontestável. Fundos se escreve no plural. Dizer cheque sem fundo? Nãooooooooooooooo! Dá cadeia. Pior: desmoraliza.

É da gangue

“O governador de São Paulo media as negociações com os caminhoneiros”, disse o repórter. Ele, como 99% dos brasileiros, tropeçou num dos verbos mais traiçoeiros da língua portuguesa. Mediar e remediar fazem parte da gangue do MARIO. Conhece? O nome da turma barra pesada se formou com a letra inicial de cada membro — mediar, ansiar, remediar, incendiar e odiar.

Todos se conjugam como odiar: odeio (medeio, anseio, remedeio, incendeio), odeia (medeia, anseia, remedeia, incendeia), odiamos (mediamos, ansiamos, remediamos, incendiamos), odeiam (medeiam, anseiam, remedeiam, incendeiam).

Conclusão: O governador de São Paulo medeia as negociações com os caminhoneiros.

Fantástico

Domingo é dia da preguiça. Antes de ir pra cama, damos uma olhadinha na tevê. Passeamos por este e aquele canal. Se algum assunto interessar, prestamos atenção. Esta semana não foi diferente. Lá pelas tantas, ouvimos que “os mosquitos se proliferam”. Ops! Proliferar não joga no time dos verbos pronominais. Intransitivo, dispensa complementos: Os mosquitos proliferam. Os ratos proliferaram nos terrenos baldios. Candidatos proliferam de olho no Palácio do Planalto.


Leitor pergunta

Sabido que a forma correta é catequizar. Assim, com z. Mas uma questão me quebra a cabeça. Catequese tem s no radical. Por que então o uso do -izar? Por que é diferente de analisar e pesquisar?
Antonio Costa, Pelotas

Olho vivo! Pra se grafar com s, o -ar tem de se colar ao s: casa (casar), pesquisa (pesquisar), análise (analisar).

Catequese tem s no radical. Mas o sufixo não se cola a ele. Se se colasse, teríamos catequesar. Não é catequesar? Convoquemos o -izar — catequizar.