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Sua Excelência o leitor

''O segredo de aborrecer é dizer tudo.'' Voltaire

20/11/2019 08:00

Dad Squarisi

Há leitores e leitores. Uns focam a notícia. Só prestam atenção aos fatos narrados. Outros leem as matérias com duplo cuidado. Interessam-se pela notícia e pela forma como é escrita. Atentos, sublinham os deslizes dos repórteres. Grafia, flexões, concordâncias, regências, colocações, nada escapa.

Roberto Xavier joga no segundo time. Outro dia, saboreava o artigo “Perdão”, publicado nas páginas da Tribuna. O deleite durou pouco. “Perdoais-nos as nossas ofensas”, suplicava a autora. Ele duvidou dos próprios olhos. Piscou uma, duas, três vezes. E voltou ao texto. Devagarinho. Lá estava o mesmo descuido. Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

Poder

Trata-se do imperativo. O nome denuncia o caráter da forma verbal. Ela ordena, pede, suplica. Em português claro: manda e desmanda. Se manda, é imperativo afirmativo. Se desmanda, imperativo negativo.


Mandão

O imperativo afirmativo exige atenção plena. Rigoroso, divide as pessoas do discurso em dois grupos. As segundas pessoas (tu e vós) ficam de um lado. As outras (ele, nós, eles), de outro. Nada de misturas.

Tratar diferentemente os desiguais é o mandamento do imperativo. Daí por que o afirmativo tem duas mães. O tu e o vós derivam do presente do indicativo. Mas esnobam o s final. As demais pessoas saem do presente do subjuntivo — sem tirar nem pôr.

Exemplo

Veja o verbo estudar:

Presente do indicativo: eu estudo, tu estudas, ele estuda, nós estudamos, vós estudais, eles estudam

Presente do subjuntivo: que eu estude, tu estudes, ele estude, nós estudemos, vós estudeis, eles estudem

Imperativo afirmativo: estuda tu, estude você, estudemos nós, estudai vós, estudem vocês

Desmandão

O imperativo negativo quer ser entendido. Por isso, foge da confusão. Forma-se todinho do presente do subjuntivo acompanhado do advérbio não: não estudes tu, não estude você, não estudemos nós, não estudeis vós, não estudem vocês.

Eureca

Voltemos ao texto que roubou o sossego do Roberto Xavier: “Perdoais-nos as nossas ofensas”. Reparou? Ele tropeçou na formação do imperativo afirmativo. Na 2ª pessoa do plural, o s não tem vez. Xô! Xô! Xô!

Assim

Presente do indicativo: eu perdoo, tu perdoas, ele perdoa, nós perdoamos, vós perdoais, eles perdoam

Presente do subjuntivo: que eu perdoe, tu perdoes, ele perdoe, nós perdoemos, vós perdoeis, eles perdoem

Imperativo afirmativo: perdoa tu, perdoe você, perdoemos nós, perdoai vós, perdoem vocês

Imperativo negativo: que eu perdoe, tu perdoes, ele perdoe, nós perdoemos, vós perdoais, eles perdoem

Moral da opereta

A forma nota 10 é esta: Perdoai-nos as nossas ofensas.

Simples assim.

Classificados poéticos

Marcelo Abreu viu o anúncio. Interessou-se. Atento como sempre, viu que se tratava de um poema de Bruno Félix. Mas tinha algo mais do que encantamento. Como quem não quer nada, o texto brinca com um sinal de pontuação. “Uma vírgula no lugar certo muda tudo”, comentou o leitor. Aprecie:

VENDO IMÓVEL
Em ótima localização / Te vi passando / Pela primeira vez / E à primeira vista / Fiquei assim, sem reação: / Vendo, imóvel.

Sem companhia 

“Os laboratórios de inovação estão se proliferando pela cidade”, escreveu o jornal. Baita desperdício. O se sobra. Proliferar não é pronominal. Altivo, dispensa objeto. Reina sozinho, absoluto: Os laboratórios de inovação estão proliferando pela cidade. Ratos proliferam no lixo. Em época de incerteza, proliferam boatos, milagreiros e salvadores da pátria.

Leitor pergunta 

Alternativa é sinônimo de opção?
Maria Tavares, Floripa

Não. A alternativa se escolhe entre duas opções. Por isso evite dizer outra alternativa e única alternativa.

É o óbvio ululante. A alternativa é sempre outra. Se não há outra, só pode ser única. Diga assim: A alternativa foi ficar. Não havia alternativa.

Quando estiver diante de mais de duas opções, fique frio. Você tem várias palavras capazes de traduzir seu pensamento. Escolha: saída, possibilidade, opção, recurso.